A Odontologia no Brasil
As primeiras referências a dentistas no Brasil datam do século XVII, a partir da carta régia de 09.11.1629, que autoriza e fiscaliza as pessoas que tiravam dentes, quase sempre os barbeiros. No entanto, a primeira pessoa a ser citada como entendido em dentes é Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. Durante a Inconfidência Mineira, segundo depoimento seu após o fracasso de seus sonhos, declarou "que conhecia muita gente em razão da prenda de pôr e tirar dentes" (6). Sabe-se que ele era um protesista hábil na colocação de dentes artificiais. Entre os seus pertences, apreendidos durante sua prisão, estava uma chave de Garengeot, hoje exposta no Museu da Inconfidência, em Ouro Preto, Minas Gerais. Pela data da Inconfidência, é bem provável que o alferes já tivesse tomado contato com o livro revolucionário de Pierre Fauchard, publicado em 1728. O termo dentista, porém, aparece pela primeira vez com a criação da Real Junta do Proto-Medicato (17.06.782). Esta junta propôs um plano de exames para licenciamento e fiscalização de "pessoas que sem ter feito estudos regulares em Cirurgia, quiserem exercer singularmente algumas das operações da Arte Obstétrica, da Lythotomia ou de Catarata serão igualmente examinados com o maior escrúpulo... e da mesma forma se procederá com os Cirurgiões Hermanos, Dentistas e Sangradores, procedendo Portaria da Real Junta, que não a expedirá, sem ser requerida com Certidões de Mestres, ou Cartas de Aprovação de Cirurgia" (7). Geralmente, o dentista candidato aprendia com alguém que conhecia o ofício (O Mestre), que lhe fornecia uma certidão, e depois passava pelo crivo da Junta. Com a transmigração da Família Real de Portugal para o Brasil, em 1808, nasce o progresso e germina a semente da cultura. As autorizações, porém, são dadas aos barbeiros, geralmente escravos ou pretos forros. Salles Cunha (8) cita "José de Souza da nação gege, escravo de D. Anna da Encarnação" e outros da Bahia. Cita ainda José Dutra, homem preto forro" e mais sete outros escravos no Rio de Janeiro. Em 1811, eram quase 80 registrados. Os passos e modos desses barbeiros estão registrados em várias gravuras de Debret e mesmo de Rugendas. A primeira carta específica de dentista foi expedida em 15.02.1811 em nome de Pedro Martins de Moura, português, autorizando-o a tirar dentes. Em julho do mesmo ano, recebeu a carta de autorização o primeiro brasileiro: Sebastião Fernandes de Oliveira, natural da Vila de Vitória - ES. O verdadeiro dentista, entretanto, apareceu na figura do francês Eugenio Guertin, que aqui chegou com as levas trazidas pela vinda de D. João VI, com carta de autorização datada de 03.03.1820. Trouxe progresso de valor incalculável, principalmente no que concerne à prótese. Colocava coroas metálicas, obturava dentes com ouro ou chumbo, fazia limpeza dos dentes ou os extraia. Tal foi sua fama que foi nomeado dentista de S.M. o Imperador e S.M. a Imperatriz, recebendo ainda a Comenda de "Cavalleiro da Ordem de Christo" (9). Tinha consultório à rua do Ouvidor, 126. Publicou um pequeno livro intitulado "Avisos tendentes à conservação dos dentes e sua substituição", Rio, 1828 (10), talvez a primeira publicação no gênero no Brasil. Em 1836, só um dentista foi legalizado no Rio de Janeiro. Era o português Luiz Antunes de Carvalho, estabelecido à rua Larga de São Joaquim, 125 e depois na rua da Alfândega, 106 - 1º andar. Em 1849, o dentista americano Clinton Van Tuyl publica o seu "Guia dos dentes sãos", com cerca de 97 páginas. Destinado ao grande público, foi aproveitado pelos dentistas da época, porque abrangia todos assuntos odontológicos. Até 1880 não havia um livro que se dissesse de Odontologia. Havia anotações e um ou outro trabalho em revistas como a "Arte Dentária", aparecida em 1869, sob a direção de João Borges Diniz, e a "Revista Dentária", de 1879. Nesta data foi publicado o "Manual do Dentista" por Cardoso & Cia, estabelecido à rua da Quitanda, 86 com a Casa Cardoso, que comerciava artigos de cirurgia em geral. O livro foi organizado por Veridiano Carvalho. Os recéns-reformados estatutos da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro obrigavam dentistas e sangradores a exame naquele local. Os examinadores eram médicos professores da Faculdade, destacando o Visconde de Santa Isabel, Antonio Caetano de Almeida e João Baptista Vinelli. A afluência de dentistas franceses e principalmente dos Estados Unidos estabeleceu as bases de uma cultura odontológica que floresceu com a viagens de estudo, principalmente aos Estados Unidos. Salles Cunha (1) cita os doutores Carlos Alonso Hastings, diplomado no Philadelphia Dental College, Pio Alves e Francisco Pereira. Em 1880, o então diretor da Faculdade de Medicina, Cândido Figueira Saboia (Visconde de Saboia) (12), resolve abrir um espaço para o ensino da arte dentária, criando uma sala de cirurgia dentária e uma laboratório de prótese. O preparador, aprovado em 1º lugar no concurso realizado, era Thomaz Gomes dos Santos Filho (13), sendo examinadores o Conselheiro Barão de Maceió e Albino Alvarenga, os doutores Pereira Guimarães, Eurico Coelho, Barata Ribeiro, Caetano de Almeida e Benício de Abreu. Era 22.05.1883. O Curso de Odontologia foi instituído na Faculdade de Medicina a 25.10.1884, pelo decreto 9331, ficando como professor preparador o citado Thomaz G.S. Filho, sem direito a julgamento. As matérias eram lecionadas pelos catedráticos da Faculdade de Medicina e o curso se desenvolvia em três séries. Após nova reforma, já eram três os professores dentistas do curso, com a contratação de Aristides Benício de Sá e Antonio Pereira da Silva. Um dentista, porém, marcou indelevelmente a sua presença no cenário da Odontologia brasileira no início do século atual: foi Augusto Coelho e Souza. A publicação do seu "Manual Odontológico", onde abordava todos os aspectos da profissão, preencheu uma lacuna que existia pela falta de livros brasileiros. Ainda hoje, o livro pode ser encontrado em algumas livrarias e em todas as bibliotecas das Faculdades de Odontologia. Responsável por gerações de dentistas, Coelho e Souza recebeu o título de "Pai da Odontologia Brasileira". |